A experiência do colaborador como estratégia no combate ao turnover
A pandemia transformou o mercado de trabalho. E, para enfrentar a alta rotatividade de colaboradores, o RH também precisa se transformar.
Algo viral atingiu o mercado de trabalho americano – e não estamos falando do coronavírus. Foi a Great Resignation (ou Grande Renúncia), nome dado à epidemia de pedidos de demissão nos EUA. Ao longo de 2021, mais de 4 milhões de pessoas por mês chegaram a pedir as contas. O fenômeno atingiu particularmente os trabalhadores operacionais, aqueles do chão de fábrica ou de atendimento ao público, mas também profissionais de escritórios, de tecnologia e até mesmo executivos C-levels.
Remuneração insuficiente, más condições de trabalho, esgotamento pandêmico, falta de oportunidade de crescimento e oportunidade de ganhos maiores em outros lugares estão entre as razões para a debandada. No entanto, os psicólogos organizacionais adicionam outro fator: desistir é contagioso. À medida que um funcionário sai, muitos se sentem à vontade para refletir sobre suas carreiras e buscar oportunidades com que tenham mais sinergia e propósito. Foi o que sugeriu um estudo da Universidade de New South Wales. Em outra pesquisa recente, com mais de 21.000 usuários do LinkedIn, 59% disseram que a saída de um colega os levou a pensar em desistir do emprego.
Seja como for, está mais do que claro que a pandemia transformou o mercado de trabalho. E não só nos EUA, onde a taxa de desemprego em março foi de 3,6%. Na Inglaterra, a grande renúncia também é realidade. Na China, os pedidos de demissão vêm especialmente dos mais jovens, que criaram um movimento chamado “tang ping” ou “lie flat”, algo como “fique deitadão”. Exaustos, os chineses preferem o desemprego a jornadas extenuantes de trabalho.
Enquanto isso, no Brasil, onde a taxa de desemprego é de 11,2%, o turnover nas empresas não é expressivo a ponto de criar um movimento como a grande renúncia. Mas nem por isso deixa de preocupar as organizações. Seja da indústria, comércio ou serviços, várias empresas têm relatado dificuldade para atrair e reter profissionais qualificados em seus times. Não à toa, o país figura na 75ª posição no Global Talent Competitiveness Index (Índice Global de Competitividade de Talentos), ranking elaborado pela escola de negócios francesa Insead, composto por 134 países a partir de fatores como capacidade de atrair pessoas para o mercado de trabalho, retê-las e desenvolvê-las.
Falta empatia da liderança?
Para Wanda T. Wallace, sócia do Leadership Forum, a resposta para a pergunta acima é um retumbante “sim”. Em um artigo recente, ela compartilhou que as causas da grande renúncia são anteriores à pandemia e podem estar ligadas às lideranças. Segundo Wanda, a ausência de feedback, a sobrecarga de trabalho e a falta de perspectiva na carreira são alguns dos fatores que motivam um profissional, antes encantado com a empresa, a oficializar um pedido de demissão.
Para ilustrar o problema, Wanda conta a história de Linda, uma funcionária dedicada e talentosa, predestinada a ser uma executiva sênior. Acontece que seu chefe, principal mentor e padrinho, trocou de cargo, e ela recebeu um novo líder. Embora ele se preocupe com a equipe e com Linda, seu estilo é menos solidário. Algum tempo depois, Linda o procurou para relatar que o aumento da carga de trabalho estava afetando negativamente tanto ela quanto o restante do time. Mas não houve empatia a ponto de as coisas mudarem. Sobrecarregada, com a saúde prejudicada e sem o apoio do chefe, Linda pediu demissão. Após uma pausa de três meses para descansar e se divertir um pouco, ela obteve um emprego em um concorrente, com uma promoção e um aumento significativo de salário.
Daria para evitar a perda de um talento como Linda? Com certeza. O problema é que muitos líderes atuais ainda não viraram a chave para a nova era do trabalho, marcado pela gestão humanizada. O estudo 2021 Ey Empathy in Business Survey, realizado com mil funcionários de empresas nos EUA, constatou que 58% dos entrevistados deixaram o emprego anterior porque não se sentiam valorizados pela chefia, 54% saiu por falta de empatia da liderança e 49% disseram que os empregadores não demonstravam preocupação genuína pelas pessoas.
Quando os entrevistados estavam diante de um líder empático, a coisa mudava de figura: 90% afirmou que a liderança empática leva a uma maior satisfação no trabalho e quase oito em cada dez pessoas (79%) concordam que a empatia diminui o turnover voluntário.
“O profissional tem que ser humano”, defende Andrea Orcioli. Para a CEO da Sephora no Brasil, empatia é uma característica intrínseca dessa humanização. Portanto, é preciso que o líder se coloque no lugar dos outros, escute e tome decisões com base nessa perspectiva. “A empatia e a transparência nos proporcionam confiança, o elo fundamental para o verdadeiro trabalho em equipe”, diz.
Experiência do colaborador
Mas não é apenas a empatia gerencial que atrai os melhores talentos e os convence a ficar na empresa. Outros aspectos pesam nessa equação. A flexibilidade, por exemplo. Ela não se caracteriza unicamente pela oferta de trabalho híbrido ou remoto. Pode ser também pelo horário flexível (onde os funcionários trabalham quando bem entendem, desde que cumpram a carga horária pré-estabelecida), uma semana útil de quatro dias ou cargos de meio período.
Geralmente, a gestão do trabalho flexível traz desafios ao RH. Talvez isso explique o resultado de um levantamento recente da Deloitte, que ouviu 112 organizações no Brasil. Segundo o Valor Econômico, a pesquisa mostrou que apenas 46% das companhias estão oferecendo práticas flexíveis de trabalho no pós-pandemia. Seriam os desafios do trabalho flexível um obstáculo para o progresso?
O uso de tecnologia é o caminho para o RH superar qualquer desafio, além de identificar e solucionar outros problemas. A capacidade de coletar, analisar e cruzar dados relacionados à rotatividade em tempo real e a tendências históricas costumam gerar insights valiosos à empresa. Todo RH moderno sabe disso: o mapeamento do capital humano com tecnologia de people analytics é vital para uma gestão mais eficiente e inclusiva.
Quanto ao salário, embora sozinho não seja a solução no combate turnover, ainda é um fator de grande influência. Especialmente em tempos de trabalho remoto (onde é possível trabalhar do Brasil para empresas internacionais e ganhar em dólar ou euro) e de inflação galopante (que em março bateu em 11,3% ao ano, a maior em quase 20 anos no país). Além de considerar um aumento, as empresas podem olhar a remuneração de forma mais sofisticada e estratégica, criando uma filosofia própria. Essa filosofia de remuneração é composta por informações transparentes sobre como os colaboradores são pagos, as condições que resultam em aumento de salário e de quando os bônus são apropriados. Benefícios flexíveis também são bem-vindos.
“Ah, mas vai onerar a empresa”, alguém pode dizer. De fato, investir em um curso de soft skills para que o gestor desenvolva empatia, em tecnologias de people analytics ou conceder aumento salarial significa maior custo à organização. Mas lembre-se: a substituição de um talento, além de cada vez mais difícil, costuma sair mais caro do que os esforços em retê-lo, conforme um estudo do Center of American Progress (CAP), nos Estados Unidos. Enquanto o profissional ideal não é encontrado, a equipe fica sobrecarregada com o acúmulo de funções, tendo o desempenho reduzido. O turnover é caro para o negócio e prejudicial para o desempenho e a motivação da equipe. Se é para sobreviver à guerra de talentos, e evitar uma grande renúncia, concentrar-se na experiência do colaborador é indispensável a todo e qualquer RH.
Autor: Leonardo Pujol
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