Desmanche criativo
Ao ajustar a lente para pensar novos usos para cada um dos recursos disponíveis, os empreendedores podem promover importantes inovações em seus negócios
Quantas crises já atingiram a empresa onde está inserido? Sei que não é necessário uma empresa mais antiga para ter passado por diversas crises, além da mais recente relacionada à pandemia. Normalmente elas chegam em momentos muito semelhantes, onde tudo começa a se encaixar, você sente que o próximo ano será “o ano” e, de repente, tudo volta a cair. Isso não é uma coincidência.
Eu acredito que as crises são eventos de acomodação coletiva, de empresas que passaram por jornadas de adaptação à determinada nova realidade, até que novamente são impactadas por mudanças provocadas por pequenos grupos de empresas que estão sempre movimentando o mercado de forma antecipada. Esses movimentos consistem num comportamento de pequenos testes contínuos de novas formas de entregar valor, utilizando os recursos disponíveis mesmo após grandes danos provocados por uma crise.
O desmanche criativo de um negócio
No mercado que atuo, o de desmontagem de veículos, nós compramos caminhões totalmente depreciados por diversas razões, que vão de colisões à incompatibilidade, fazemos a separação das peças entre reutilizáveis, reparáveis e recicláveis e, finalmente, encontramos o público adequado para cada perfil de peça. Ao final, multiplicamos o valor do todo simplesmente mudando a visão de utilização de cada um dos recursos disponíveis.
Fazer o desmanche criativo de um negócio é basicamente a mesma coisa e te dá a oportunidade de gerar valor adicional, mesmo sob um cenário de caos. Nos momentos mais críticos de uma empresa, onde não há espaço para investimentos ou contratações, o desmanche criativo te ajuda a perceber sua relação com um fornecedor, uma determinada especialidade subutilizada, um estoque de baixo giro ou até mesmo um espaço ocioso como oportunidades de transformação em seu modelo de negócio.
Em 2007, ao final de uma concordata na JR Diesel, nos víamos num cenário de exaustão pós-recuperação, totalmente descapitalizados, mas saudáveis para voltar a provocar o mercado. Foi nesse momento em que passamos a revisitar nossos processos e posicionamento, questionar a forma como fazíamos as coisas, explorar a geração de valor da empresa à entes, além do cliente, e descobrimos que o desmanche de veículos era a peça que faltava para fechar a economia circular no Brasil de forma sustentável economicamente.
Uma transformação “estratégica”
Durante cinco anos, essa mentalidade transformou nosso modelo de negócio e criou novas oportunidades com seguradoras, montadoras, sistemistas (empresas fabricantes de autopeças) e governos, até que nosso processo acabou servindo de base para a construção da lei do desmanche de 2014.
Não foi investimento. Não foi atração de talentos excepcionais. Não foi a aquisição de conhecimento formal. Foi a manutenção de uma disciplina de pequenos testes todos os dias, obtendo pequenos fracassos e sucessos que moldaram nossa operação em uma velocidade incrível. Não foi uma visão estratégica clara com indicadores estruturados, foi o hábito de desmanchar nosso modelo de negócio de forma cíclica e nunca acomodar no fato de que éramos inovadores. Nós simplesmente estávamos inovadores e isso ia passar.
Não importa o quão tradicional e pouco sofisticado seja o negócio. Não importa a capacidade financeira ou de recursos humanos. As melhores inovações acontecem nos ambientes onde nada foi feito ou “tudo já foi feito”, com simples perguntas que te levam à desativação temporária da sua especialidade e te ajudam a ver tudo com uma lente privilegiada. A melhor parte disso é que você pode fazer isso hoje e depende apenas da sua iniciativa de mudar a forma de pensar.
Deixe de esperar a melhora em cenários políticos ou no comportamento do consumidor. Essa transformação depende única e exclusivamente do desmanche criativo do seu negócio, hoje.
Artigo: Arthur Rufino
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